sexta-feira, 30 de julho de 2010
Glicose
Ele anda pelo mundo ouvindo a voz da Calcanhoto e se deixa ser e se guiar como barquinho de papel. Olha para todos os lados – às vezes até para o seu avesso. Ele, o que sente o que se lembra o que dói. Lembrou-se hoje com terror de quando foi beijado por um igual.”Amá-lo-ei!” disse-lhe o tal.Amou-o o tal?Não se sabe; mas se o beijo não tinha afeto, tinha certeza de que tinha sabor de açúcar!
Aterrorizado pela lembrança do beijo doce, pôs-se, de boca infantilizada e olhos mais estúpidos ainda,estático sob o sol de uma sexta-feira – desejada e interminável – em meio a toda sorte de gente que o atropelava.Sentiu-se então com a ereção de sua juventude à lembrança do beijo e como se visse à sua frente um fato espetacular então começou a achar muita graça;pois nenhuma daquelas pessoas que o atropelavam,o reparavam e o esqueciam,nenhuma daquelas pessoas imaginaria que aquele velho homem,já curvo e calvo pelo tempo e de visão tateante,estaria naquele exato momento com a lembrança VIVA do beijo que recebera de outro homem- único beijo – que não se lembrava se tinha afeto,mas possuía sabor de açúcar.E gargalhou e tentava esconder com as mãos.Ele provara da boca de outro homem e tinha como punição,na sua velhice diabética,o doce na boca.
Como num eclipse ao fim da voz da Calcanhoto, tudo acabou!”E a Calcanhoto, cadê?! Minha alegria, eu cansaço... Meu açúcar, cadê você!?”
Punido, excitado, cambaleante e com a expressão de puríssimo desespero, o velho homem – curvo e calvo e diabético – com seus perigosos passos imprecisos vagou até ser amparado por um robusto jovem, que com muito AFETO no rosto parou-o e perguntou com aflição – AFLIÇÃO – se ele precisava de algum socorro. Então mirando a boca bem formada do robusto rapaz – E ainda com a lembrança não mais do sabor, mas apenas do fato que antes ele julgara “medonho e à esquecer!” – então mirando a boca do jovem rapaz ele disse com desespero:
-Eu preciiiiiso de AÇÚCAR!
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Eu sou um açúcar prontinho pra adoçar!
ResponderExcluir;)
Bjo Querido!
Que delicia de leitura.
ResponderExcluirAdorei o paradoxo de açúcar e diabetes. Narração simples e intensa...
ResponderExcluirSaudade desse "BRAVO!" que fica aqui esperando por ideias brilhantes!
Parabéns!