sábado, 8 de maio de 2010

Nunca ousaram tanto


Caminhava triunfante e solitário sem ao menos perceber a existem dos demais que ali estavam. Caminhava.
Dois escritores, acompanhados por dois nulos, cruzaram seu caminho e pela primeira vez sua atenção foi desfiada. Passaram os quatro tão superiores, tão senhores de si e no mesmo momento ele murchou por completo; sentiu-se pequeno, tão pequeno... Eles gigantes, passaram sem ao menos percebê-lo. E quem percebia?E quem percebia os cinco?
Ele que até então carregava sua solidão como um estandarte agora apressava seu passo e sentia que tinha que sair do mundo e recolher-se a si. Recolheu-se. Em seu quarto percebera em fim que seu contato com mundo exterior estava a cada dia mais dúbio. Por que afinal aquelas quatro pessoas o incomodaram tanto?De onde veio aquele terror?Seria inveja?Seria amor por eles todos?
Abriu sua janela e orou a “Nossa Senhora do Silêncio” que banhava seu pequeno quarto com sua luz fria. Cena muda, oração sem palavras. Muito digno!
Pensou em suas poesias, pensou em seu lirismo soberbo. Pensava. Pensava muito sobre tudo e sobre todos. Julgava. Julgava muito e todos. Mirou em todos as direções e acabou acertando a si.Afinal,quem ele era? O que ele era? Um poeta? Um escritor? Um homem nulo? Um louco?
O que mostrava ser era sua verdadeira essência?Não. Conclui que a solidão não era verdadeira, era vulgar, era clichê. Ele não era aquilo que mostrava ser para ele mesmo, mas também não era o que os outros pensavam que ele fosse. Não era também aquilo que na verdade queria ser e não era o que os outros queriam que ele fosse. O que ele era, o que ele mostrava ser para ele mesmo, o que os outros pensavam que ele fosse, o que ele queria ser, o que os outros queriam que ele fosse mostravam-se absolutamente distintos. (Santa prolixidade)
Olhou para “Nossa senhora do silêncio” e franziu a testa. ”Quando me perdi?”. Pronunciou essas palavras com engasgo.
Silêncio.
Procurou por todo seu corpo essa resposta. Examinou suas mãos. Sim, ele examinou suas mãos para saber em que momento da vida ele se perdeu. Examinou depois seu quarto... G. H. olhava para ele. Teve medo!Temeu ter que provar do não civilizado para também encontrar seu verdadeiro ser. Teve medo da lentidão de sua alma, de seu peso.
Fitou mais de perto G. H. ela estava impassível, inaudível. Abriu sua capa e ela gritou!Ele suspirou e prendeu sua respiração como se guardasse no peito toda sorte de sentimentos que há no mundo. Em transe puríssimo, ele sentia todo o caos de G. H. sentiu o gosto não da pasta branca de uma barata, mas das lagrimas sangradas dessa mulher. Ele também já não era mais civilizado, ele agora era transcendental.
Percebeu que o sentimento nutrido pelos escritores que vira na rua era de desejo, um desejo louco de possuí-los, de estar entre eles. Mas era apenas desejo sem pretensão de realização. O desejo o mantinha de pé, a raiva, o desdém o mantinha de pé...
À vontade.
Mas estar em verdade com eles, em contato profundo e real não teria graça, não teria sentido. Ele amava desejá-los sem poder tê-los. Isso o levava ao caos profundo e isso o mantinha de pé,vivo!Assim como os seus questionamentos sobre “Eu & mim”. Miscelânea.
Não compreender-se, não ser compreendido e gostar disso; e não obstante procurar entender-se e ser entendido...
Num relance olhou para o chão e focou uma barata de casca grossa. Rompeu a porta de seu quarto como muita rapidez, uma rapidez de faminto. Socou a porta do quarto de sua empregada. Idosa ela demora em abrir...
Ao abrir a porta, a velha se depara com um homem suado, quase aos prantos; ele sem hesitar beija delicadamente seus lábios secos.
Ela apenas diz com sua voz lenta e trêmula:
-Nunca ousaram tanto...